Como a tragédia atinge o kart rental gaúcho
Grupos ainda contabilizam prejuízos para o restante da temporada, mas advertem: não se entregarão de jeito nenhum
Passado um da tragédia climática no Rio Grande do Sul, os gaúchos ainda contabilizam os estragos. Não é por menos. Segundo o boletim mais recente da Defesa Civil estadual, 476 dos 497 municípios foram atingidos de alguma forma. Ou seja: 96% deles ficaram parcial ou totalmente debaixo d’água.
Além disso, as cheias dos rios afetaram exatas 2.392.686 pessoas, forçando 30.442 delas a morarem provisoriamente em abrigos e 576.781 tendo de ir para casas de familiares ou amigos. Entre elas, estão as que atuam direta ou indiretamente no automobilismo. “Sempre temos pessoas que foram atingidas”, resume Marlon Basso, dirigente da KMKZY Sports, uma das maiores promotoras de eventos de kart rental no Rio Grande do Sul.
Por exemplo, cinco funcionários do Circuito Internacional Techspeed, em Nova Santa Rita, onde o grupo realiza todas as suas competições, perderam suas casas, com todos os seus bens. “Estamos ajudando com vaquinha e com dinheiro. Vamos fazer uma ação com a Copa Solidária (neste sábado, 8 de junho) para arrecadar fundos e donativos e direcionar ao pessoal do kartódromo”, conta Basso.
O evento é promovido em conjunto com os grupos atuantes do kartismo amador gaúcho e o próprio complexo esportivo. Conforme Tiago Milioli, dirigente da CKA Championship (que promove as 750 Milhas de Kart Rental), o valor da inscrição e de uma bateria serão repassados diretamente aos colaboradores. “Este evento marcará um reencontro dos kartistas e a ajuda conjunta entre organizadores, pilotos e o kartódromo.”
Mas, a natureza atingiu a todos, sem distinção.
Competidores entre os afetados
Desde o dia 29 de abril, quando as chuvas se intensificaram no Estado, as redes sociais deixaram de ser canais para competidores mostrarem o seu dia a dia nas vidas pessoais e profissionais ou nas competições que participam.
No lugar de fotos e vídeos com o dia a dia pré e pós corridas, os Stories do Instagram deram lugar a imagens e vídeos sobre a tragédia. “Teve piloto do campeonato, amigos próximos (entre os afetados)”, pontua Fernando Lobato, dirigente do grupo Kart in Senna. “Muitas pessoas perderam tudo, infelizmente.”
Pode-se citar as integrantes das Gurias do Kart, um grupo totalmente feminino do kart rental. “Algumas vivenciaram ou auxiliaram diante do desespero de evacuar casas às pressas durante as inundações”, diz a nota enviada à reportagem. Conforme o texto, amigos próximos e familiares perderam totalmente suas residências. Mas, todas todas estão seguras.
Situação semelhante se encontram os competidores da CKA. Milioli confirma que alguns parceiros e pilotos tiveram seus bens materiais levados pela enxurrada.
Tudo isso contribui para se fazer uma pergunta crucial.
Como fica o kart rental gaúcho?
Algumas pessoas podem achar que não é o momento para tocar no assunto. Afinal, o que é o esporte diante de tudo o que o Estado precisa? Basta ver a estimativa da Federação das Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul) para a reconstrução: entre R$ 110 bilhões e R$ 176 bilhões.
Ainda de acordo com o estudo, a economia estadual saiu de uma projeção 4% para -0,77% neste ano devido à catástrofe.
Parte deste valor, claro, deve ser investido na recuperação e reconstrução de estradas – a principal malha viária do Estado para escoamento do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado.
De acordo com o levantamento do Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM), o Rio Grande do Sul tinha 89 pontos de bloqueio em 40 rodovias – entre estaduais e federais – enquanto esta reportagem era produzida. O levantamento completo pode ser conferido aqui.
Se as estradas estão interditadas, a situação complica. E não podemos esquecer: o kartismo amador também faz a cadeia econômica girar.
Kart Rental e a Economia
Como publicado nesta coluna, o kart rental contribui muito com a economia nacional. Afinal, um evento de grande porte contrata diversos prestadores de serviço (como equipe de transmissão e diretores de prova) e compra uma variedade de produtos (troféus, camisetas e bonés).
Isso sem contar os setores de alimentação que existem nos kartódromos. Tudo gera impostos que vão para os cofres públicos, que devem retornar em benefício da sociedade.
Só que a comunidade ainda dimensiona seus prejuízos. Conforme Basso, a KMKZY Sports teve bastante. “Toda a nossa parte de infraestrutura foi alagada, então, a gente perdeu tudo.” Equipamentos, como rádios e balanças, além de troféus para os próximos eventos e o setor de TI da promotora ficavam em um box no Circuito Internacional Techspeed, que foi completamente alagado.
Com isso, todo o calendário teve de ser revisto. As 4 Horas de Kart, previstas para o dia 29 de junho, devem ficar para o dia 26 de outubro – mesma data das 5 Horas de Kart. Entretanto, alteração ainda depende de validação da administração do kartódromo de Nova Santa Rita.
Além disso, a etapa do Nacional de Kart Rental (NKR), que ocorreria nos dias 30 de agosto e 1º de setembro, ainda está sem uma nova data. “Nem aeroporto para receber esse evento nós temos”, entristece-se, não sem motivo: muitos pilotos de outros estados são aguardados para o evento.
Situação semelhante – no quesito de datas – enfrenta o Kart in Senna. Lobato afirma que o grupo vai recuperar o calendário ao longo do ano. “Este ano se tornou atípico. A ideia era termos outro evento, porém, adiaremos para 2025”, admite. O dirigente complementa que, o foco atual, é participar de eventos em que possam contribuir com doações.
Já a CKA Championship alterou apenas uma data: as finais da CKA Xtreme TS Sports, previstas para maio, ficaram para o dia 16 de junho. A Top Race já havia sido transferida para outubro. As Gurias do Kart, por sua vez, também paralisaram suas atividades provisoriamente.
Sai a competição, entra a solidariedade
Diante de um cenário catastrófico, é muito bonito ver que adversários de pistas dão as mãos para ajudar o próximo. “É reconfortante ver a onda de solidariedade que emergiu em resposta a essa catástrofe em todo o Estado”, dizem as administradoras do grupo Gurias do Kart.
“Com imenso orgulho, informamos que grande parte da nossa equipe esteve diretamente envolvida em operações de resgate e na assistência à distribuição de doações”, complementam.
Lobato, do Kart in Senna, segue na mesma linha. “Um agradecimento e parabéns aos pilotos que foram para a linha de frente ajudar nos resgates de família e também para os grupos de kart do Brasil, que ajudam neste momento delicado”, diz. Basso, da KMKZY Sports, complementa: “Essas pessoas têm um coração gigante. Esse heroísmo que tiveram, salvaram vidas, e a gente tem muito orgulho.”
A volta por cima
Ainda é cedo para saber quando o Rio Grande do Sul voltará à normalidade. O Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, deve reabrir apenas no Natal. Cidades como Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, e Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, buscam formas de se reerguerem. E elas são apenas alguns exemplos.
“Temos certeza que todos, juntos, daremos a volta por cima”, avisa Milioli. Essa esperança é compartilhada por diversos outros integrantes do kart rental gaúcho, como as Gurias do Kart. “Esperamos que tudo passe logo, todos fiquem bem e que possamos acelerar em breve.”
E conseguiremos. Afinal, como diz esta música escrita pelos tradicionalistas Francisco Alves, Francisco Scherer e Humberto Zanatta:
“O gaúcho, desde piá, vai aprendendo
A ser valente, não ter medo, ter coragem
Em manotaços do tempo e em bochinchos
Retempera e moldura sua imagem
“Não podemo se entregá pros home
De jeito nenhum, amigo e companheiro
Não tá morto quem luta, quem peleia
Pois lutar é a marca do campeiro”