A solidariedade corre nas veias dos que amam o automobilismo
Diante de cenas terríveis difíceis de digerir, a comunidade do esporte a motor se mobilizou para oferecer algum alento aos gaúchos
Brasília, 13 horas e cinquenta minutos. Vinte e seis de abril de dois mil e vinte e quatro, uma sexta-feira. Neste dia, o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) fez o primeiro alerta ao Rio Grande do Sul. “De hoje (26) até até o dia 2 de maio, pode acumular volumes de chuva acima dos 200 mm (…) podendo causar impactos na população”, diz um trecho do relatório.
Todos sabemos o que aconteceu: até o momento, 155 mortos e 94 desaparecidos; 615 mil pessoas fora de casa; centenas de cidades afetadas (algumas, totalmente devastadas); e uma estimativa de necessitar R$ 19 bilhões para reconstruir o Estado.
Por que é importante falar disso em uma reportagem sobre solidariedade?
Porque devemos reconhecer tudo aquilo que foi feito, pelos mais diversos atores da nossa sociedade.
De voluntários famosos e anônimos a pessoas da comunidade do kart rental, como o piloto e coach Edson Gravina com suas equipes de resgate. Das grandes competições do automobilismo a outros esportes, como esta bela ação do Atlético Mineiro, na arrecadação de recursos. Até mesmo o Poder Público (com todos os seus eventuais problemas), do Federal ao Estadual, sem esquecer dos diversos municípios que “adotaram” as cidades gaúchas atingidas.
Todos, de alguma forma, fizeram sua parte nesse momento difícil.
Mas, existem aqueles que não receberam as atenções e menções que deveriam. E nós queremos corrigir isso nesta reportagem.
Criadores de conteúdo e de esperança
Quem acompanha o automobilismo , já deve ter se deparado com posts e vídeos de alguns criadores de conteúdo nas mais variadas redes sociais. São pessoas que encontraram nessas plataformas uma maneira de fazer valer a sua voz em um segmento muito fechado.
Fazem tudo por amor, com muita dedicação. Mas, mesmo assim, recebem muitas críticas por onde quer que passam. Não raros são os “fãs” ou jornalistas especializados que tecem palavras muito duras para colocar estes comunicadores em descrédito.
Entretanto, eles mostraram que não são apenas criadores de conteúdo. Por trás de fotos de perfil e avatares “engraçadinhos”, há seres humanos de carne e osso, como eu e você, que lê este texto.
“Não aguentava mais ver tanta notícia de tanta gente sofrendo e não fazer nada”, conta Laura Perandim, a @formulalau no Twitter. Muitos estavam como ela. Afinal, acompanhar esse tipo de informação, quase que 24 horas por dia, prejudica nossa saúde mental.
Foi então que, ao entrar na plataforma, viu muitas pessoas da comunidade de Fórmula 1 comentar o assunto. “Então, falei com a Turma do Padoque, o Blog Fórmula 1 e a Vitória (@braztoria) sobre juntarmos todo mundo em alguma ação solidária e os três toparam na hora”, complementa.
O que importa é ajudar
Em pouco tempo, receberam o apoio de tudo que é tipo de página e de mídias de conteúdo. Por exemplo, dos produtores de podcasts, vieram Cronômetro Zerado e Box Box Box. De portais de notícias no microblogging, participaram os administradores das contas brasileiras do Ollie Bearman, da Red Bull Racing e da Ferrari.
Isso tudo sem contar jornalistas, como a Nathalia de Vivo (Elas na Pista e F1Mania.net), Rubens Neto e Débora Almeida (Boletim do Paddock) e também criadores como Caroline Politta, Estagiário da F1, Laís Souza e Adria Meyer. “No total, somamos quase 40 perfis envolvidos”.
Meta audaciosa
O objetivo era angariar R$ 35 mil em seis dias com uma rifa solidária. O valor até chegou a ser considerado “alto demais” para o período. Porém – ainda bem – estavam todos errados: em menos de 24 horas, conseguiram arrecadar o estipulado. No dia 15 deste mês, prazo final para comprar os números, atingiram nada menos de R$ 59,098,05.
Não era por menos: os prêmios chamaram a atenção. Foram roupas, livros, canecas. Ou seja, souveniers que todos gostamos de ter. E nada disso foi comprado. As lojas Autofãs, Morfula1, GPStore We Rise, Paddock BR e Racer Books doaram tudo para a ação. “Foi tudo de coração”, emociona-se Laura.
Agora, é a hora de contribuir com quem ajuda. Essa campanha destinará todo o valor arrecadado (descontando as taxas da plataforma) de forma igualitária entre as entidades Grupo de Resposta a Animais em Desastres (GRAD), Rodando Pela Vida, Câmara da Indústria e Comércio do Vale do Taquari e Banco Geral de Alimentos do Rio Grande do Sul.
Só que este é apenas um exemplo de que, quando se tem amor no coração, se consegue ir longe. Não foi diferente com quem gosta de kart no Brasil.
Para além da cobertura do kart
A comunidade do kartismo nacional também não ficou alheia ao que acontece por aqui. Foram diversas ações realizadas, e fica impossível enumerar. Todas são válidas e merecem a consideração daqueles que querem fazer o bem.
Uma dessas ideias veio de um dos expoentes da modalidade no Rio Grande do Sul: Erno Drehmer, fundador e editor do Portal Kart Motor. Gaúcho de nascimento e de criação, está há algum tempo em São Paulo. O que não significa esquecer das raízes.
“Ela (a rifa solidária) surgiu do fato de que a gente não pode cruzar os braços”, ressalta Drehmer. “Mesmo morando longe hoje, é muito triste o que a gente está vendo. Isso que não vemos tudo o que acontece, estando em São paulo. Mas temos relatos da família e da televisão”, continua.
Desde o início da tragédia até agora, foram duas campanhas organizadas. A primeira se encerrou no dia 10, arrecadando R$ 15 mil vendendo 500 números a R$ 30,00. Nesta, os doadores concorreram a prêmios doados por Diogo Zucarelli, Felipe Drugovich, Anuário Kart Motor, RBC Preparações, MG Pneus, Eiko Brazil e DKR Motorsport.
Agora, na segunda rifa, a ideia também é arrecadar R$ 15 mil. São mil números a R$ 15,00, e os prêmios são de César Ramos, Felipe Drugovich, Sabiá Racing, Anuário Kart Motor, Paralego, Benny Abdalla e o fotógrafo Gilmar Rose.
Todos o o valor está sendo usado para a compra de donativos, que são entregues a um grupo Conexão SP-RS, formado por gaúchos que moram em São Paulo e já enviaram várias carretas e um avião com doações.
Uma ótima influência
Outro grande nome do kartismo nacional é o influenciador Rodrigo Monteiro, também conhecido como Kart BR. “Vi outros influenciadores fazendo campanha, e isso me motivou. Me senti tocado por isso, para fazer a mesma coisa”, relata Monteiro.
Só que ele não sabia o que fazer. Foi então que conversou com o gaúcho Samuel Mittag, da Mittag Preparação de Motores e da Mittag Racing. “Ele prontamente me adiantou a doação de um prêmio e em menos de 24 horas a gente conseguiu fazer essa rifa”, diz o influenciador.
Mas isso era pouco. Monteiro queria mais, por isso falou com outras pessoas e a adesão foi imediata. Dado Salau, proprietário da Thunder Kart, doou um chassi para esta “segunda fase”. Juntas, as duas rifas arrecadaram R$ 35 mil.
Com o mote “Uma coisa foi levando à outra”, Monteiro já está no terceiro sorteio. Desta vez, o prêmio é um macacão do piloto Miguel Morgatto, campeão mundial de kart, e a expectativa é alcançar R$ 50 mil.
O valor tem como destino duas ações: com Dado Salau, está a compra de mantimentos, como água, cestas básicas e remédios, que serão enviados ao Estado; já com Samuel Mittag, o dinheiro é usado para a compra de roupas, cobertas, roupas íntimas, calçados, tudo o que possa ser feito para atender o máximo de pessoas possível.
E se pudesse resumir tudo isso em uma só frase? “É uma satisfação saber que, com um pouquinho, a gente conseguiu ajudar quem não tem nada.”