Bia Figueiredo: “O nosso foco é inspirar e aumentar a base do kartismo”
Nesta entrevista exclusiva, Bia Figueiredo fala sobre a atuação da Comissão Feminina de Automobilismo e os projetos para fomentar a participação feminina no kartismo nacional
Em janeiro de 2023, o Brasil deu um passo para fortalecer a presença das mulheres no automobilismo nacional. Na ocasião, a Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) criou a Comissão Feminina de Automobilismo (CFA) e nomeou a pilota Ana Beatriz Figueiredo, mais conhecida como “Bia Figueiredo”, como presidente.
Mais um pioneirismo na trajetória dessa pilota acostumada a fazer história. Afinal, Bia foi a primeira mulher a vencer uma prova na então Indy Lights (atual Indy NXT), em 2008, a primeira brasileira a competir na Fórmula Indy, em 2010, e, neste último domingo (18), se tornou a primeira mulher a conquistar um título na Copa Truck, na categoria Super Truck Elite.
Sob sua liderança, a CFA trabalha de diversas formas para aumentar a participação das mulheres no esporte a motor nacional. Da criação da Seletiva de Kart FIA Girls on Track e de uma equipe feminina na Mit Cup, a comissão vai além das pistas: também dá a oportunidade para meninas e mulheres conhecerem outras áreas do automobilismo, da engenharia e mecânica até à comunicação e setores administrativos.
Nada disso é feito só por ela. Ao seu lado, estão Bruna Frazão, especialista em marketing esportivo, e Rachel Loh, engenheira que atua em diversas categorias. “São meus braços direito e esquerdo, que conseguem fazer tudo acontecer”.
Nesta entrevista, convidamos você a conhecer um pouco mais sobre o trabalho da CFA e como a comissão pretende aumentar o número de mulheres no automobilismo e, claro, no kartismo nacionais. Porque, como ela mesmo diz: “A gente tendo mais meninas no kart significa que tem mais chances de elas subirem para o automobilismo e para grandes categorias do mundo.”
Entrevista com Bia Figueiredo, presidente da CFA
Push to Cast: A CFA surgiu com uma proposta muito importante para o cenário nacional. No caso do kartismo, a Seletiva FIA Girls on Track tem contribuído para termos mais meninas competindo nos campeonatos nacionais – Copa Brasil ano passado e Grupo 1 do Brasileiro neste ano. Conta um pouco sobre esse foco no kartismo?
Bia Figueiredo: As propostas do CFA têm algumas frentes, inclusive para pilotas, e a nossa ideia é fomentar a base de pilotas. Surgiu a oportunidade de ter um time de Rally e a gente tem uma pilota mulher, mecânica e engenheira nesse nosso laboratório e nosso primeiro time FIA Girls on Track Brasil.
No caso do foco no kartismo, para mim é aumentar a base de pilotas. Nosso objetivo é esse. O kart é a base de tudo; é a grande escola. A gente tendo mais meninas no kart significa que tem mais chances de elas subirem para o automobilismo e para grandes categorias do mundo.
PTC: Sabemos que o kartismo é só uma das diversas modalidades de automobilismo em que a CFA atua. Ao mesmo tempo, é no kartismo que temos uma grande base para o surgimento de novos talentos. Como você vê a participação feminina no kartismo nacional atualmente? É mais forte que de 10 ou 20 anos atrás?
Bia: Ainda temos muito a percorrer, mas eu acredito que está bem melhor assim do que há 10, 20 anos atrás. Eu não tenho os dados daquela época, porém eu já fui pilota, já fui kartista, e no Campeonatos Brasileiro era eu a única, no máximo tinha uma ou duas meninas a mais ali correndo.
Hoje, a gente já tem bastante meninas começando no kart amador e no kart profissional. Na nossa Seletiva de Kart temos por volta de 40 meninas inscritas. Não via esses números quando eu comecei a correr de kart há 30 anos.
PTC: Dos 2.113 kartistas registrados na Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) até setembro, apenas 61 são mulheres. Como a CFA vê esse número?
Bia: Nós vemos esse número como oportunidade, mas não é fácil. Vamos pensar no cenário econômico nacional: apenas 1% da população brasileira tem condições financeiras para bancar um jovem, uma criança no kart. Você corta 99% da população pela limitação econômica, já que o automobilismo tem uma máquina envolvida e ela é realmente caríssima.
Agora, há um potencial para que, a médio e longo prazos, a gente trabalhar meninas que tenham condições para esse número ir crescendo.
PTC: De acordo com o nosso levantamento, os maiores números de kartistas femininas estão nas categorias Novatos (17) e na Sênior-AM (12). O que precisamos para que as categorias mais de base (focadas em crianças e adolescentes) tenham mais representantes mulheres?
Bia: A categoria mais difícil de a gente ter meninas correndo na Seletiva de Kart é a Cadete. São meninas de 8 a 11 anos. É mais difícil ter meninas começando essa idade, então a gente acaba trabalhando mais com pilotas da categoria Graduados.
Também por serem mais adultas, com idades de 16 a 25 anos, acabam tendo mais possibilidades de participarem. E também trabalhamos mais com a Júnior. Conheço muitos pilotos que começaram a correr só com 13, 14 anos. Então as menores são realmente mais difíceis, e a gente pensa, com projetos, trabalhar mais nessa faixa etária para ter mais meninas começando bem cedo no kart.
PTC: Até pouco tempo atrás, tínhamos a Seletiva Petrobras, que dava uma bolsa para os kartistas fazerem a transição do kartismo para o automobilismo. Hoje, a proposta da Seletiva FIA Girls On Track é diferente, mas teria alguma ideia de seguir os moldes da Seletiva Petrobras num futuro?
Bia: A nossa Seletiva FIA Girls on Track foi inspirada na Seletiva de Kart da Petrobras. Inclusive, eu participei em duas edições, sendo vice-campeã em uma delas. Eu conversei muito com o (Rubens) Binho Carcassi, que era o promotor da Seletiva de Kart Petrobras e atualmente é o presidente da Comissão Nacional de Kart. Foi super apoiador do nosso projeto.
No caso da Seletiva de Kart Petrobras, eram 12 pilotos classificados, Graduados, e o campeão tinha um apoio financeiro para subir para as categorias de fórmula. No nosso caso, a gente tenta dar a chance de as meninas campeãs fazerem um campeonato nacional de kart, que foram a Copa Brasil em 2023 e o Brasileiro em 2024, financiadas com os recursos do projeto.
Muitas delas não teriam condição de participar de um Brasileiro. Então são focos diferentes.
O nosso é realmente inspirar e aumentar a base do kartismo. Então, fazer barulho para que meninas vejam a Seletiva de Kart FIA Girls On Track e pensem: “Poxa, tem uma seletiva, está incentivando meninas, eu vou me preparar, vou começar a correr de kart…”.
Então, nosso foco é aumentar a base do kart e a Seletiva de Kart para todas elas e ajudar o maior talento da Graduadas para que essa pilota possa subir para o automobilismo.
Enquanto a gente tiver o foco de fomentar a base, o número de meninas na base, a gente não deve mudar esses moldes. É lógico, tendo mais parceiros e patrocinadores, isso pode mudar e dentro da faixa etária da Júnior, ou até 16, 17, 18 anos, e a gente possa vir a ter algo parecido com a Seletiva da Petrobras, que tinha um prêmio financeiro para a pilota subir para o automobilismo.
Mas ainda assim, o nosso foco é aumentar a base. Nos campeonatos nacionais, a CBA teve sete esse ano, já chegamos a ter nove, por que não vinte, trinta, quarenta? E aí a gente, com esse aumento, eu acredito que a gente tem mais chances de encontrar as meninas com um grande talento para subir para automobilismo.
PTC: As vencedoras da Seletiva Girls On Trak de Kart têm a oportunidade de competir numa equipe oficial de fabricante de chassi. Além da Bravar, existem outros apoiadores dessa iniciativa? Pode listar, pois sabemos como é importante para o fortalecimento dela.
Bia: Este foi nosso segundo ano com a Bravar como parceira. Ela é uma das únicas fabricantes de chassi que também têm equipe oficial e sempre demonstrou muito interesse em ajudar o automobilismo feminino. Então eu acabei me aproximando muito do Ernandes Onassis (CEO da Bravar).
Todo ano a gente questiona outras fábricas de chassi e equipes, mas o projeto mais forte tem sido o da Bravar. E o Onassis sempre demonstrando interesse em aumentar o projeto, em criar oportunidade para as meninas se prepararem, terem melhores condições para competir.
PTC: Acredito que alguma coisa possa ter ficado de fora das questões anteriores. Pode usar esse espaço para complementar.
Bia: A Comissão Feminina não tem só a Seletiva de Kart. Muitas meninas que podem ler essa matéria não têm condições financeiras de serem pilotas, mas querem participar do automobilismo de alguma forma.
Então, além da Seletiva de Kart, nós temos o Estágio em Motorsports. A gente consegue colocar por volta de dez meninas para estagiar em grandes categorias durante o final de semana na Stock Car, na Copa Truck, na Porsche Cup, e, este ano, também no GP de São Paulo Mil Milhas de Interlagos e na Mitsubishi Cup.
A nossa maior procura é das engenheiras, mas a gente sempre tenta dar espaço para mecânicas, mídias sociais, jornalistas, e até na parte administrativa, para elas terem uma experiência para ver se realmente gostam do automobilismo e, obviamente, fazer relacionamentos para tentar dar continuidade às suas carreiras em motorsport depois.
Nós temos também as Experiências com Estudantes. Na Fórmula E, são meninas de 12 a 18 anos que podem passar um dia no ePrix São Paulo e conhecer os bastidores, as equipes, saber como funciona a categoria.
A mesma coisa na Fórmula 1, só que aí são 30 meninas estudantes de 15 a 22 anos. A gente também mostra os bastidores da categoria para que elas se inspirem a trabalhar, buscar um cargo em uma categoria, tendo referência de como as coisas são na Fórmula 1.
Também a gente tem a parceria com a Mitsubishi na Mit Cup. Temos um carro FIA Girls on Track Brasil, que atualmente é pilotado pela Pâmela Bozzano e tem duas meninas que se revezam, uma mecânica e uma estudante de engenharia. São umas quatro meninas que têm se revezado durante as etapas.
É importante também salientar que vamos fechar este nosso segundo ano de operação e de projeto atingindo mais de 500 mulheres que participaram do nosso projeto. É um prazer e motivo de muito orgulho para nós.
Gostaria de lembrar que nós ganhamos um prêmio chamado José Abed Award, que foi entregue ao Giovane Guerra, presidente da CBA, e à Fabiana Ecclestone, vice-presidente de esportes da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) para a América do Sul, em 2023, no FIA American Congress, na Guatemala.
Cada confederação apresenta um ou mais cases sobre pontos de destaques de sua atividade. O case da CBA premiado foi o FIA Girls on Track Brasil. Vencemos como o maior projeto de desenvolvimento do motorsport das Américas. Por isso a CBA tem uma estrelinha verde em todos os uniformes dos seus membros. Essa estrelinha verde representa nosso prêmio José Abel Award.
E também gostaria de lembrar que a Comissão Feminina é composta por mim, como presidente, e tem como membros a especialista em marketing esportivo Bruna Frazão e a engenheira Rachel Loh, meus braços direito e esquerdo, que conseguem fazer tudo acontecer.