Os desafios de quatro gaúchos no Brasileiro de Kart
Só o fato de competir no maior campeonato nacional da modalidade já pode ser considerado uma vitória
A largada da 59ª edição do Campeonato Brasileiro de Kart foi dada no dia 7 de outubro, com o Grupo 1. Quase 300 kartistas de nove categorias movidas a motores 4 tempos se inscreveram para participar desta etapa do maior campeonato nacional da modalidade, encerrado no dia 13, no Kartódromo Speed Park, em Birigui (SP).
Entre eles, estavam cinco filiados à Federação Gaúcha de Automobilismo (FGA): Arthur Fleck e Joaquim Fronza (Mirim), Theo Zingali (Cadete), Matheus Castro (F4 Sênior) e Saul Leite (F4 Super Sênior Master). E todos, sem nenhuma exceção, tiveram diversos desafios. Alguns deles “coletivos”, já outros foram mais “particulares”, por assim dizer.
Mas, no final, valeu o que toda adversidade fornece: aprendizados para a vida toda. Nesta reportagem, você conhecerá algumas delas, sob a ótica de quatro dos cinco pilotos – a exceção foi Saul Leite.
Primeiro desafio: chegar ao kartódromo
O Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, é o principal do Rio Grande do Sul. Entretanto, devido às enchentes, só foi reaberto à população nesta segunda-feira. Foram cinco meses com essa estrutura vital para o Estado interditada para reformas.
Com isso, diversas pessoas – inclusive pilotos – mudaram seus planejamentos do ano, muitos devido às condições financeiras. Afinal, com o principal aeroporto fora de operação, era necessário ir para outras cidades – como Canoas, na Região Metropolitana da capital, ou Caxias do Sul, na Serra – para pegar um avião.
Outros, por sua vez, tiveram de ir pelas “próprias rodas”. Isso é: engatar o reboque no carro, fixar o kart nele e percorrer mais de mil quilômetros, em uma viagem aproximada de mais ou menos 18 horas sem descanso, conforme o Google Maps.
Foram os casos de Arthur Fleck (Mirim/Equipe própria/Chassi: Bravar/Patrocínios: Acrilshop, Rede Farroupilha e Alegrow) e de Theo Zingali (Cadete/Equipe própria/Chassi: Mini Kart/Patrocínio: Mittag Competições, Petrin & Zuccoloto – Car Service, Cipnet – Tecnologias Web e Dessin Brasil).
“(A viagem foi) longa e cansativa”, resume Maicon Fleck, pai de Arthur. “Mais de 20 horas do Rio Grande do Sul até o interior de São Paulo”, complementa. Chegaram no dia 3 (quinta-feira) à noite, e foram direto conhecer a pista. “Fizemos o reconhecimento caminhando pelo traçado e tentando entendê-lo, pois na sexta-feira (4) já teríamos dois treinos de 15 minutos e não queríamos perder nenhum”, continua.
Com Zingali, a situação foi praticamente a mesma. Além de uma longa viagem, também desconhecia o local, já que não conseguiu participar do Open do Brasileiro de Kart, realizado semanas antes. Seu preparatório foi Campeonato Gaúcho de Kart, no qual terminou na terceira posição.
O desgaste físico e mental de uma viagem dessas se juntaram a mais um: o desconhecimento da pista.
Segundo desafio: traçado e clima diferentes
Quando não se consegue conhecer in loco uma pista nova, existem outras maneiras de se ambientar. Muitas delas são virtuais, como os simuladores de automobilismo ou vídeos de outros competidores no YouTube. Entretanto, eles ajudam apenas a entender algumas coisas do local, mas outras passam despercebidos.
E o representante gaúcho da Cadete sentiu isso na pele. Theo Zingali encarou as altas temperaturas, que chegaram a 43 graus ambiente, e um traçado técnico com muita borracha, que exigiram um “esforço físico considerável”, nas palavras de Tiago. “Ele precisou de atendimento médico logo após o primeiro treino”, confidencia. Mas, mesmo assim, o guri de 9 anos voltou à pista.
Esse desconhecimento também deu um pouco mais de trabalho a Arthur Fleck. Mesmo entendendo a pista “de primeira”, aproveitou os intervalos para ver como os demais faziam suas linhas. “No segundo e último treinos de sexta, Arthur já virava no mesmo segundo do restante dos pilotos”, ressalta o pai Maicon.
Outro que passou por isso foi Matheus Castro (F4 Sênior/Equipe Techspeed Racing/Chassi: Techspeed/Patrocínio: Techspeed e Axxo Blindagem). Embalado pelo título da categoria X30 Master no Campeonato Sul-Americano de Kart, disputado em agosto no Circuito Internacional Techspeed, em Nova Santa Rita (RS), o piloto percebeu que não teria vida fácil.
“Não conhecia a pista, não fiz o Open, nem nada”, começa. E, mesmo fazendo os treinos de adaptação, ainda encontrou dificuldades em acertar o seu mini monoposto. “É uma pista diferente das que estou acostumado, já que ando no Velopark (Circuito Internacional Techspeed), que é mais lisa”, conta o gaúcho, que também participa de competições de kart rental pela equipe Kart Brothers.
Esse excesso de borracha transforma o Speed Park em uma pista “bem particular na questão de acerto”. “Acaba que vai ao contrário, muitas vezes, do que a gente pensa”, observa Castro. Tanto que, no começo do Campeonato Brasileiro de Kart tomava de seis a sete décimos dos adversários.
O ponto fora da curva?
Por outro lado, havia um piloto que queria aproveitar toda a sua experiência no kartódromo. E ele se chama Joaquim Fronza (Mirim/Equipe DDM Racing/Chassi: Techspeed/Patrocínio: Lojas Colombo, Bertolini, CNA Inglês, Embreagex e Netfar), que foi à maior competição nacional com altas expectativas.
Afinal, em setembro, o piloto mais jovem inscrito na Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), com sete anos, sagrou-se campeão do Open do Brasileiro realizado em setembro, no mesmo kartódromo. Ou seja: tinha tudo para sair de lá com um bom resultado – quem sabe o título.
Porém, para isso, todos necessitavam superar outros obstáculos. Entre eles, estavam a falta de sorte e os adversários.
Terceiro desafio: as provas
Não bastassem o traçado desconhecido para três dos nossos entrevistados e o seu emborrachamento, outro fator contribuiu para deixar tudo mais desafiador para todos os pilotos: as condições climáticas. As altas temperaturas logo faziam a chuva chegar com força.
Em uma ocasião, inclusive, um temporal obrigou o atraso da programação. Isso porque a força do vento derrubou algumas tendas. Mas, dos danos, só alguns materiais. Todos saíram ilesos e puderam continuar os seus afazeres – isso é, competir.
Mirim
Fronza e Fleck enfrentaram situações diferentes no início da competição. Enquanto o primeiro colocou seu Techspeed sempre entre os três líderes nos treinos e também nas corridas, o segundo registrou o 25º na geral com o seu Bravar, terminando a primeira classificatória em 22º – após figurar em 17º –, abandonando a segunda depois estar entre os 15 primeiros e encerrando a última, novamente, em 22º.
Na corrida final, Fleck saiu de 22º e até ocupou o 13º posto, mas, ao tentar desviar de um adversário, foi tocado por outro, rodou e caiu para último. “Assim, sabíamos que ali acabava o sonho de chegar entre os dez primeiros”, comenta Maicon.
Já Fronza não conseguiu realizar seu sonho, o de ser Campeão Brasileiro. Mesmo fazendo ótimas e disputadas provas, na final tomou um toque que o levou para a parte suja da pista. Com pneus sujos, precisou “remar” para brigar pela liderança, mas, quando isso ocorreu, já era o último giro. “Mesmo assim, terminou a três décimos do primeiro colocado, o que foi bem relevante”, comemora Rafael Fronza, pai de Joaquim.
Cadete
Zingali também teve de superar desafios com o seu Kart Mini. O primeiro deles era o número de inscritos: 50 no total, obrigando uma divisão em dois grids. O segundo, a posição de largada. Devido ao pouco conhecimento de pista, ficou no fundo do pelotão, obrigando-se a manter o foco para desviar de acidentes.
Porém, nem tudo foram flores. Em alguns momentos, sofreu com toques aqui e ali na primeira corrida. Na seguinte, conseguiu recuperar posições, mas o resultado final foi aquém do esperado: 44º na geral, na soma das pontuações. Com isso, não conseguiu ficar entre os 36 que participaram da super final e da final.
“A posição mostra o quanto ele batalhou. Esse é um grande feito, especialmente quando consideramos que o Theo compete sem uma equipe profissional. Nosso suporte é familiar e isso torna cada conquista ainda mais significativa”, ressalta Tiago.
F4 Sênior
Mesmo sem experiência em Birigui, Castro faz parte de uma grande linhagem de pilotos no Rio Grande do Sul. Seja no kart, seja nos carros, este sobrenome costuma figurar no topo do pódio com uma certa frequência. E foi isso que ele tentou fazer em uma categoria que também teve de ser dividida, na qual havia mais de 40 inscritos.
Castro conseguiu registrar a 29ª posição geral com seu Techspeed, figurando em 22º no cruzamento dos grupos. Isso o colocou no 11º lugar no grid de largada e fechou as classificatórias em sexto, em nono e em quinto, respectivamente.
Na soma dos resultados, mais uma vez saiu na 11ª posição na super final. Chegou em terceiro, mas herdou a vitória após a desclassificação de Flaviano Ramos e Gustavo Rey devido ao bico desarmado.
Já na final, fez uma ótima largada, chegou a andar entre os três primeiros, mas pouco tempo depois perdeu rendimento. “A válvula de pressão começou a vazar ar e meu pneu ficou com oito libras”. No fim, um décimo lugar, que deixou um gosto amargo. “Foi um bom resultado, mas poderia ter sido melhor. Se não fosse essa válvula vazando ar, poderia brigar pelo pódio”, adverte.
Exemplo para os demais
Mas, se as corridas não atenderam às expectativas dos pilotos, o mesmo não se pode dizer do Kartódromo Speed Park e da organização do Grupo 1 do 59º Campeonato Brasileiro de Kart. “A logística dos treinos e corridas foi bem estruturada, com horários cumpridos e excelente comunicação entre a organização e as equipes”, avalia Tiago Zingali, pai de Theo.
Impressão esta que foi compartilhada por Rafael Fronza. Além do atendimento da CBA e da Confederação Nacional de Kart (CNK), outro ponto elogiado foi no fornecimento dos motores da RBC Motores. “Para ter noção, a gente pegou motor que andou entre os três (primeiros), entre os dez e até em último, e todos estavam bons”, complementa.
Agora, o próximo desafio do Campeonato Brasileiro de Kart é o Grupo 2, destinado aos motores 2 tempos. As provas serão realizadas entre 11 e 16 de novembro, no Kartódromo Luigi Borghesi, em Londrina (PR).