Fórmula 1: Calendário extenso é ruim para todos
Responda com sinceridade: o que vem à sua cabeça quando lê um título como esse? Tenho quase certeza de que apontaria como uma contradição. Afinal, como pode uma pessoa apaixonada pela Fórmula 1 achar ruim um calendário com 24 provas?
Existem vários motivos para essa conclusão. Aponto as três que considero principais.
Em primeiro lugar, o esporte a motor não se resume à F1. São diversas categorias espalhadas pelo Brasil e pelo mundo, clamando por alguma atenção. Tenho certeza que muitas datas e horários entrarão em conflito – como ocorreu esse ano – o que prejudica a todos.
O segundo ponto é a vida pessoal. Ao mesmo tempo que amo o automobilismo, curto a companhia de amigos e de meus familiares alguns finais de semana. E, como adoro pedalar, são nesses dias em que consigo me dedicar com menor preocupação com o tempo.
Por fim, a categoria principal dos carrinhos que andam em círculos não ocorre só sexta, sábado e domingo. A maioria dos profissionais que fazem parte da Fórmula 1, como mecânicos, equipes de comunicação e staff pulam de um circuito para o outro em questão de poucos dias.
Em resumo: há muito mais coisa em jogo. Do lado dos espectadores, a socialização. Do lado das equipes, como isso afeta quem está na ponta de baixo da pirâmide.
Para entender mais onde quero chegar, continue comigo nessa leitura.
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Fórmula 1 não tem só pilotos
Quando a FIA divulgou o calendário de 2023, uma galera vibrou. Para muitos, era um sonho a ser realizado: a chance de ver seus ídolos por mais tempo ao longo de uma temporada. Como poderia ser diferente, com 23 etapas? (Sim, já estou contando com um eventual cancelamento da etapa chinesa).
Afinal, eles chegam na quinta, só entram na pista na sexta e finalizam tudo no domingo. Se compararmos com a jornada de trabalho do brasileiro, é quase nada para quem ganha milhões por ano.
Contudo, é aí que mora o problema: os pilotos estão no topo da pirâmide.
A vida dos mecânicos na Fórmula 1
Direto ao ponto: não é nada fácil.
Terminado um Grande Prêmio no domingo, eles já correm para desmontar e empacotar tudo para enviar ao próximo destino. Enquanto pilotos, seus engenheiros e chefes de equipe fazem uma ou outra reunião – ou comemoram com suas champanhes – a maioria da turma já encara a estrada. Ou o céu.
Isso porque precisam chegar na sede da empresa e analisar tudo para a próxima etapa. Caso você não se lembre, tivemos nove “finais de semana duplos”. Ou seja: nada de intervalo entre um domingo e outro.
Não é só apertar parafuso
Em um dos debates sobre o novo calendário, uma pessoa fez um comentário muito infeliz no Twitter. Segundo ele, os mecânicos não poderiam reclamar, e citou dois motivos. Um deles era de que só apertavam parafusos ou trocavam pneus. O outro era o fato de ganharem muito bem.
Talvez ele tivesse razão se fosse comparar com o salário médio do brasileiro. Porém, quem quer se aprofundar descobre que muitos têm salário estagnado há alguns anos. Nessa matéria do Motorsport.com, um mecânico soltou o verbo.
Entre as reclamações, estão:
- Muito tempo longe de casa e da família
- Vôos desconfortáveis entre um país e outro
- Picos de cansaço
- Esgotamentos físico e mental
- Uso indiscriminado de medicamentos para aguentar o tranco
- Possibilidade de virar alcoólatra
Conclusão: não pensa que é as mil maravilhas para quem está, literalmente, no chão da fábrica.
Responsabilidade das equipes e pilotos
Levante a mão quem nunca ouviu de seus superiores que trabalhar em determinada é assim mesmo, exaustiva. Se você não passou por isso, agradeça. Porque a maioria de nós já ouviu disso para baixo. Esse comportamento tóxico afeta a nossa autoestima e nos faz duvidar da própria competência profissional.
Da mesma forma, a gente tende a se tornar workahólico. Sabe onde isso pode dar? Se pensou em Síndrome de Burnout, acertou. E a própria OMS já classificou a síndrome como um problema de saúde ligado ao trabalho.
Por isso, me chama a atenção (de maneira negativa), quando o bicampeão mundial de Fórmula 1, Max Verstappen, fala o que vem abaixo.
“Se você não está preparado, então é melhor parar já, certo? Acho que somos todos pilotos e adoramos correr.”
O recado do holandês foi direcionado aos companheiros de profissão. Porém, pode servir como um soco na cara de quem está no dia a dia na fábrica da Red Bull Racing fazendo de tudo para ter um carro vencedor.
Ainda mais ele que, em agosto, disse que preferia um calendário com 16 pistas.
Sem mudança a curto prazo
Infelizmente, não vejo uma mudança de comportamento a curto prazo. Talvez, nem seja essa a ideia da Liberty Media. Desde que assumiu o comando da Fórmula 1, a promotora fala em aumentar o número de provas.
Ainda mais quando se tem vários países a fim de realizar uma etapa.
Se olharmos como Stefano Domenicali, CEO da categoria, um calendário com 30 etapas faria muito sentido. Primeiro, porque haveria mais grana envolvida. Segundo, porque teria apoio dos chefes de equipe, já que receberiam uma maior fatia nas premiações ao fim do ano.
Talvez até mesmo os patrocinadores gostariam, já que suas marcas estariam expostas em muitos outros locais.
Cadê a exclusividade?
Dito tudo isso, encerro esse texto com essa pergunta acima. Com tantas provas no calendário do ano que vem, a categoria começa a perder o seu caráter de evento exclusivo. E muitos telespectadores poderão deixar de assistir algumas corridas justamente por isso.
Afinal, muitas corridas atrás da outra – ainda mais com três “fins de semana triplos” – deixam de ser novidade.
Só faria sentido se a temporada fosse competitiva como a de 2021. Caso se repita como foi a atual, será uma tortura.
E as chances da segunda opção ser a “escolhida” são grandes.