Ayrton Senna me fez compreender a morte

– O Senna morreu.

Foi assim que recebi a notícia da morte do piloto Ayrton Senna. Veio da mãe de uma amiga minha, mas, não dei muita bola.

Isso aconteceu porque eu tinha 9 anos de idade e estava em uma atividade escoteira desde o dia anterior. Ou seja: minha mente estava em outra.

Só fui entender a dimensão dos fatos quando cheguei em casa. Estávamos em frente à televisão, quando assisti ao Fantástico daquele 1º de maio de 1994 (clique aqui para assistir).

Mesmo assim, demorou muito para assimilar o que estava acontecendo.

Desconhecimento sobre a morte

Apesar de já ter consciência sobre a vida e a morte, nunca a tinha vivenciado de perto. Pelo menos, não que eu me lembrasse. Por isso, aquele “O Senna morreu” dito em uma tarde, não me comoveu.

Até porque, para mim, a Fórmula 1 ainda era muito distante. Acordava pela manhã para assistir aos carros andando em círculos e ver quem chegava em primeiro. Se alguém empunhasse a bandeira do Brasil no lugar mais alto do pódio, melhor. Do contrário, continuaria assistindo.

Também, teve um outro motivo para a minha reação. Ao mesmo tempo em que nunca havia vivenciado a morte, não tinha visto a corrida ao vivo. As imagens do acidente só entraram na minha mente após assistir à reportagem do Fantástico.

Entretanto, fiquei mais apavorado com as batidas do Rubens Barrichello e do Roland Ratzemberger do que com a do Senna.

Vai entender como funciona a mente de uma criança, não é?

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O herói Senna

As coisas começaram a ficar mais claras no dia seguinte. Não foi feriado na escola, mas lembro da professora juntar todos nós e conversar sobre o que aconteceu.

Não teve uma criança ali que não soubesse da morte do Ayrton Senna. Afinal, todos fomos, de certa forma, “obrigados” a assistir ao programa dominical. Dessa maneira, consegui entender que estava diante de um fato histórico.

Tive colegas que choraram, enquanto outros pareciam repetir o que ouviram nas reportagens. Sem contar a educadora, que estava visivelmente apavorada.

Ali, acredito, começou-se a criar a aura de “Ayrton Senna, o herói brasileiro”, em mim. Mas, não se engane: eu realmente não sabia de nada. Acredito, mesmo, que fazia parte do processo de “querer fazer parte daquilo”.

Até porque, para mim, era inconcebível alguém morrer praticando esporte. Mesmo sendo automobilismo.

Lembra: eu tinha 9 anos na época e nunca havia vivenciado a morte de perto.

Funeral ao vivo

As coisas ficaram mais ou menos em “stand by” até o dia 5 de maio. Até então, para mim, Senna era apenas um piloto brasileiro de Fórmula 1. Havia conquistado algumas vitórias, alguns campeonatos, tinha o capacete nas cores do Brasil e sempre levava a bandeira junto com ele.

E só.

Mas foi com a transmissão ao vivo do funeral do piloto que entendi como esse cara era grande. Principalmente, porque foi neste momento que entendi o que era a morte.

Assistir na tela da televisão as pessoas em volta de um caixão era uma experiência totalmente diferente. Ainda mais quando aparece essa imagem abaixo, da Xuxa, diante do capacete do piloto.

xuxa funeral senna
Xuxa, ex-namorada do Senna, no velório de Ayrton Senna. Foto de Fernando Maia/Agência O GLOBO

Assim, ficou fácil compreender que estava diante de um mito.

A morte faz parte deste esporte

Concorde-se ou não, o esporte a motor como um todo mudou depois da morte do brasileiro. A Fórmula 1, no mesmo ano, fez algumas mudanças na segurança dos carros e nas pistas.

Afinal, como esquecer como ficou a pista de Ímola após a reforma da curva Tamburello? Ou, então, a adoção do dispositivo de apoio para cabeça e pescoço (o popular HANS Device)?

Tudo isso surgiu ou ganhou mais evidência após o adeus de Ayrton Senna. Mesmo assim, não quer dizer que as mortes no esporte a motor vão acabar.

De lá para cá, vimos muitos acidentes que ceifaram vidas nos autódromos ao redor do mundo.

Por exemplo, tivemos Greg Moore e Gonzalo Rodriguez na CART em 1999, Marco Simoncelli na MotoGP em 2011, Dale Earnhardt na NASCAR em 2001, Jules Bianchi na Fórmula 1 em 2015 e Anthoine Hubert na Fórmula 2 em 2019.

Faz parte do esporte. E todos os que fazem parte desse mundo – inclusive nós, fãs – temos de aprender a conviver com ela.

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