Pilotos têm a força que a FIA não quer
Causou certa surpresa a mudança no Código Desportivo promovida pela FIA. A partir de agora, quem faz parte das categorias sob sua gestão não poderão mais se manifestar política ou religiosamente sem a permissão da entidade. Nesta decisão, incluem-se pilotos, sendo um deles de nome e atitudes bastante conhecidos: Lewis Hamilton.
Apesar de ser esperada, de certa forma essa atitude surpreende por um grande motivo. Como bem salientou a Scuderia Milani no tuíte abaixo, o estatuto da FIA fala em “promover a proteção dos direitos e dignidade humana e restringir a divulgação de discriminação de raça, cor da pele (…)”. Ou seja, algo de errado não está certo nessa nova redação.
Contudo, seria ingenuidade demais da nossa parte acreditar que entidade máxima do automobilismo mundial faria algo diferente. Afinal, o presidente da FIA, Mohammed Ben Sulayem já havia criticado os posicionamentos pessoais de alguns pilotos.
O primeiro alvo foi Lewis Hamilton, e o seu ativismo antirracista e pró-LGBTQIA+. Em seguida, foi para cima de Sebastian Vettel e a mobilização do alemão pelas questões ambientais. Por fim, sobrou até para Lando Norris, que “ousou” debater sobre a saúde mental.
Para dar mais “força” ao seu comentário, Sulayem os comparou com Niki Lauda e Alain Prost, que “se preocupavam apenas em pilotar”.
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Primeiro, o que é a FIA?
Antes de tudo, precisamos conhecer um pouco sobre a FIA. Apesar de ela estar diretamente ligada a competições automobilísticas, vai muito além do ambiente esportivo.
Como diz em seu próprio site, sua experiência a tornou uma organização que também promove a mobilidade segura, sustentável e acessível para todos os usuários das estradas no mundo.
Por exemplo, a FIA Action for Road Safety integra a campanha Década de Ação para a Segurança no Trânsito da ONU. Com essa iniciativa, ambas entidades visam a redução das mortes e lesões provocadas por acidentes nas rodovias em, pelo menos, 50% até 2030.
FIA e o automobilismo esportivo
Ao vermos tudo isso, fica claro entender que ela tem no esporte a motor a sua força perante o mundo. Tanto que foi ela quem organizou a Fórmula 1 por um tempo. Adicionalmente, hoje tem sob sua alça as categorias de base, a Fórmula E, o WRC, o WEC e o Extreme E.
Simultaneamente, o automobilismo também é um negócio. De um lado, as montadoras investem pesado para colocarem seus carros nas competições, com a Mercedes pagando US$ 5 milhões para poder competir nesta temporada.
De outro, países desembolsam grandes cifras para poder organizar suas corridas. Só para se ter uma ideia, a Fórmula 1 cobrou US$ 125 milhões de São Paulo para ter um contrato de cinco anos de corridas – cerca de US$ 25 milhões por ano.
Logo, há muito intere$$e por trás.
O que você faria com US$ 55 milhões todos os anos?
Talvez você não saiba de bate-pronto, mas a Arábia Saudita sabe. Esse é o valor que o país para a FIA e a Fórmula 1 para sediar uma corrida em Jidá. Essa mesma quantia será desembolsada pelos governos do Catar e do Azerbaijão anualmente, em troca de uma prova em seus respectivos países.
Ao somarmos os US$ 45 milhões pagos por Bahrein todos os anos, quanto teremos? É só fazer o cálculo abaixo.
Arábia Saudita: US$ 55 milhões
Azerbaijão: US$ 55 milhões
Bahrein: US$ 45 milhões
Catar: US$ 55 milhões
TOTAL: US$ 210 milhões em taxas
Isso que são apenas quatro países, e falando da Fórmula 1. As informações são do site RacingNews365.com.
O que os pilotos têm a ver?
Os automobilistas também são seres humanos. Infelizmente, pessoas como Ben Sulayem e Bernie Ecclestone têm aos montes no automobilismo. Para muitos, os pilotos devem apenas vestir o capacete, sentar no carro e se esquecer que há um mundo injusto lá fora.
Afinal, nada mais “coerente” com uma categoria que competia na África do Sul em pleno Apartheid, não é mesmo?
Entretanto, foi só depois de manifestações de um certo piloto chamado James Hunt que as equipes abriram os olhos e resolveram fazer um boicote contra a prova.
Ali estava a prova de algo que muitos, inclusive governantes, temem.
Pilotos têm poder de influenciar pessoas
Não é nenhum clichê falar isso. Como falado anteriormente, não fosse a voz de James Hunt, talvez a Fórmula 1 ainda continuasse a competir durante a época de segregação racial na África do Sul.
Nesse sentido, essa decisão do Ben Sulayem tenta diminuir o poder dos pilotos sobre seus fãs. Sabe por quê? Porque fãs são pessoas comuns, “meros mortais”, e não têm força quando lutam sozinhas.
Porém, juntas, conseguem coisas inimagináveis. Inclusive, derrubar governos tiranos, tal qual a Primavera Árabe.
Conclusão: a tentativa da FIA não é manter a neutralidade política. É agir de forma política.
De um jeito que beneficia apenas os seus.