Consciência Negra e o automobilismo brasileiro

O verdadeiro líder sabe como motivar seus liderados e fazê-los agir por uma causa maior. Zumbi sabia muito bem disso quando, em 1678, negou a submissão do Quilombo dos Palmares à Coroa Portuguesa. Naquele momento, despertava uma consciência que nenhum colonizador sabia do seu poder. Nascia ali, um dos primeiros atos de consciência de um povo: o ato de consciência negra.

Antes de continuar com esse texto, vale uma informação: como você pode ver neste link, não sou negro. Apesar de ter cabelos crespos – acredite, já usei Black Power -, acredito ser branco. Aqui, vale a ressalva para o verbo “acreditar”.

Porque estou em um grande processo de consciência racial. Reconheço traços genéticos negros para além do cabelo – como o nariz e os lábios -, mas a cor da pele é a maior dificuldade.

Já ouviu falar em Colorismo?

Conheci esse termo alguns anos atrás e não foi por acaso. Porque, por incrível que pareça, eu tenho um irmão negro. Somos irmãos biológicos, de mesma mãe e de mesmo pai – eles estão casados até hoje e isso é importante salientar.

Nunca fui atrás da minha árvore genealógica, mas sei de algumas coisas. Por exemplo, minha avó por parte de mãe é negra. Já do lado do meu pai, tenho primos negros e brancos. Tudo isso pode ajudar a explicar por quê, no sentido de “pigmentação”, eu seja considerado branco enquanto meu irmão é negro.

Por isso, retomo a ressalva feita alguns parágrafos acima: acredito ser branco, mas não sei se sou considerado como tal.

Viu como esse debate é difícil?

Entretanto, ele é o início para o que vem a seguir.

Racismo é parte do nosso sistema

Não sejamos ingênuos. O racismo faz parte da estrutura da nossa sociedade. Como diz essa matéria do portal ECOA Uol, a nossa legislação do século XIX e até em parte do século XX marginalizava a população preta de todas as formas.

O racismo estrutural

Para começar o debate, precisamos conhecer a nossa história. Te convido a entrar em um Delorean imaginário e viajar comigo para os anos 1800.

Ao chegarmos lá, você vai se deparar com as seguintes leis:

  • Em 1824, a escola era um direito de todos os cidadãos, exceto os escravizados.
  • Em 1850, a Lei de Terras permitiu que o Estado vendesse espaços por valores mais altos.
  • Entre 1847 e 1857, desembarcaram as primeiras famílias de imigrantes europeus no Brasil.

Este último ponto é o mais importante. Enquanto os imigrantes recebiam salários para trabalhar, os negros continuavam escravizados. Afinal, a Lei Áurea foi proclamada em 13 de maio de 1888 – 41 anos depois da chegada dos novos cidadãos.

Livres, sim. Presos, também.

Porém, mesmo sem ter grilhões presos aos seus pés, os negros continuaram desprezados pelo Poder Público. Porque, em 1890, a recém proclamada República Brasileira instituiu a Lei dos Vadios e Capoeiras.

O resultado: com a alforria, muitos negros não conseguiram empregos. Sem empregos, perambulavam pelas ruas – em busca de emprego, diga-se. Mas, ao serem abordados, eram considerados vadios e iam para a prisão.

Não é à toa que os negros são a maioria nas penitenciárias do país.

Com isso, podemos dizer com toda a certeza: o racismo também está presente no nosso automobilismo.

Racismo no automobilismo brasileiro

Eu poderia começar essa parte do texto sobre Lewis Hamilton e Bubba Wallace. Ou, então, incorporar um historiador e contar sobre Willy Theodore Ribbs Jr., o primeiro negro a pilotar um Fórmula 1. Poderia, também, falar sobre Wendell Scott, o primeiro negro a vencer uma prova na Nascar.

Mas isso seria mais no mesmo. Todo mundo já fez algum tipo de matéria sobre eles.

A ideia aqui é te fazer pensar.

Quantos pilotos negros no Brasil você conhece?

Pegue sua mão preferida e faça as contas. Assim, de pensamento, só conheço o kartista Murilo Rocha. E, infelizmente, não foi pelos seus resultados – confesso, não costumo assistir às corridas de kart. Foi por ter sido vítima de racismo no Twitter.

Neste Dia da Consciência Negra, conheci Wallace Martins. E tudo isso graças à jornalista Bruna Rodrigues, que fez esse fio maravilhoso no Twitter. Te convido a ler e se maravilhar com todos os exemplos

Wallace Martins: um dos poucos pilotos negros no automobilismo brasileiro. (Foto: Universidade Zumbi dos Palmares)

Fora eles, quem mais? Se conhecer, conta nos comentários, porque eu quero saber e divulgar.

Atrás de outros países

Para saber como ainda precisamos evoluir, devemos acompanhar como está a situação em outros países. Sigo com os exemplos da Bruna, porque ela fez um ótimo trabalho:

Reino Unido

  • Lewis Hamilton
  • Jann Mardenborough
  • Joshua Bugembe

Estados Unidos

  • Bubba Wallace
  • Rajah Caruth
  • Armani Williams
  • Jaiden Reyna
  • Ugo Ugochukwu
  • Ernie Francis Jr.
  • Myles Rowe

Temos ainda: Pascal Wehrlein, da Alemanha, na Fórmula E; McRae Kimathi, do Quênia, no WRC Junior.

Se compararmos com Reino Unido, Alemanha e Quênia, pode parecer “pouca coisa”. Todavia, não é. Sabe por que? Porque todos esses exemplos têm apoios fortes ou estão em categorias de grande repercussão.

Consciência negra nos outros países?

Mesmo sem ser nesse nome, podemos dizer que sim. Porque, de alguma forma, entenderam que a sociedade mundial têm uma dívida histórica com as minorias e criaram programas de inclusão.

Por exemplo, a Fórmula Indy tem o programa Race for Equality & Change. Enquanto isso, a equipe Mercedes de Fórmula 1 criou a Accelerate 25. Ambas as iniciativas preveem a ampliação de seus quadros com integrantes de minorias.

Já Lewis Hamilton criou a organização Mission 44, com uma visão muito firme no combate ao racismo. Entre seus valores, estão: implementar cultura antirracista nas escolas; promover mentorias de carreiras; e apoiar mudanças sociais positivas.

É Consciência Negra, não “Consciência Humana”

Todo Dia da Consciência Negra é a mesma coisa: um monte de brancos vão ao YouTube e buscam o vídeo do Morgan Freeman falando sobre “Consciência Humana”. Se você faz parte desse grupo, sugiro que leia com atenção esse texto publicado pelo Portal Nós.

“Quando a gente fala em reação humana, realmente, somos uma raça só. Porém, nós fomos colocados em um lugar de menor valor que nos nega o afeto, o trabalho, a alimentação, a saúde. Somos a população que vive em vulnerabilidade social constante por conta desse processo escravocrata e por isso não dá para gente falar da raça humana e tudo bem. Para a população negra é dado sempre o pior lugar: o da marginalidade”, ensina Ana Minuto, cocriadora do Potências Negras Summit.

Enquanto isso, o doutor em Antropologia Social, Jacques d’Adesky, a expressão “consciência negra” foi uma ressignificação do termo “negro”. Saiu a ênfase pejorativa e entrou a ênfase positiva.

“Celebrar o Dia da Consciência Negra no Brasil trata de reconhecer o aporte positivo da comunidade negra à formação socioeconómico e cultural ao longo da história do país”, reflete Jacques.

Em resumo, se você é um desses que usa o termo “consciência humana”, prepare-se para o golpe: você é racista.

Consciência negra no automobilismo brasileiro

Murilo Rocha conquistou o Brasil com suas manifestações no Twitter. (Foto: Reprodução Twitter)

Tudo é questão de oportunidade. Ok, sabemos que o automobilismo é um esporte caro. Inclusive, muitos brancos têm dificuldades de seguir com a carreira.

Porém, vamos refletir um pouco. Quantos bons pilotos negros o Brasil deixa de conhecer pela falta de oportunidade – ou apoio, caso queira outro termo?

Eu posso dizer ao menos um nome, além do Murilo e do Wallace: Felipe Giro. O piloto da Snow Schatten, equipe, coleciona títulos no automobilismo virtual. O mais recente foi conquistado no dia 18 de novembro.

Isso, claro, estou falando em pilotagem. A gente sabe que em outros setores do automobilismo também pode haver lugar para mais negros.

Com certeza, há ótimos chefes de equipe, engenheiros, mecânicos, assessores de imprensa, gestores de carreira disponíveis no mercado. Eles só precisam de oportunidade.

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